A quem esta mensagem possa ter encontrado, começo por apresentar-me. Sou um Náufrago. Ou seja, sou alguém que veio parar numa ilha desconhecida do resto do mundo, isolada na imensidão de um oceano qualquer, e da qual as hipóteses de um dia partir ou ser resgatado são muito remotas. Cheguei a esta ilha por mero acaso do destino. Na verdade já nasci náufrago, filho de náufragos que por sua vez também já nasceram naquela condição. Posso dizer que pertenço a uma longa linhagem de Náufragos, que ao longo de séculos passaram de ilha em ilha, na esperança de algum dia voltar à casa.
Foi neste ambiente familiar que cresci. Apesar de Náufrago nativo, não deixei de ser um náufrago, confirmando assim o estatuto da minha linhagem secular. Como era de se esperar, não me sentia como parte daquela ilha, mas como alguém que veio de outro lado e que não era capaz de se integrar, por mais esforço que despendesse. Ao longo dos 29 anos em que estive naquela ilha, vivi sempre com a sensação de que algo melhor me esperava algures. Se me pedissem uma lista dos sítios onde certamente a minha vida seria melhor do que naquela ilha onde eu havia nascido, rapidamente conseguia fornecer uma dezena de opções.
Finalmente um dia, tomei a decisão de avançar para a grande aventura da minha vida: regressar a casa. E para mim, graças a influência recebida dos meus progenitores, a “casa” era aquela pequena ilha, de onde os meus pais náufragos haviam partido 40 anos atrás. Ops! Naufraguei outra vez. É desta ilha que vos escrevo estas mensagens.



quinta-feira, 17 de julho de 2008

Não atirem mais pedras

Há algo no ar desta ilha onde me encontro, que faz com que as pessoas só consigam ver o lado negativo da vida, o copo meio vazio, a tristeza e o azar. Até a música mais representativa destas gentes, reforça o lamento e valoriza o sofrer. E o pior é que não se limitam a malfadar as suas próprias vidas, mas quase que anseiam pela desgraça alheia. Querem-se todos solidários no infortúnio. E quando há alguém que vence, que ganha, que se supera, rapidamente passa a ser um corpo estranho neste organismo moribundo que é a comunidade desta ilha.
Por causa deste desejo insaciável de testemunhar a tragédia alheia, formou-se no seio desta sociedade, um grupo de indivíduos cujo único objectivo é o de noticiar a desgraça, o insucesso e o “falhanço” de tudo e todos que tentam criar alguma coisa. Chego a imaginar o que teria acontecido se um destes arautos da catástrofe, tivesse participado no episódio em que Jesus, ao ver uma multidão que preparava-se para apedrejar uma mulher que havia pecado, apresentou-se diante da turba, e após apanhar uma pedra do chão, a ofereceu aos executores e desafiou a quem nunca houvesse pecado na vida, a atirar a primeira pedra. Certamente aquele repórter do desastre, não por nunca ter pecado, mas pela ânsia de poder noticiar tamanha atrocidade, pegaria naquela pedra e a atiraria à mulher, dando início assim a execução da pena capital.
Era de se esperar que tal acontecesse, uma vez que a grande maioria dos náufragos desta ilha, dão muito mais valor ao que corre mal do que a qualquer coisa que porventura tenha resultado. Era de se esperar mas não é para aceitar.
Na história da humanidade, nenhuma sociedade conseguiu construir algo, preocupando-se mais com aquilo que poderia correr mal do que avançando para fazer tudo o que acreditavam que iria correr bem.
A partir de hoje, decidi ignorar os avisos de percalços, os alertas do abismo, as previsões do apocalipse, e dedicar-me apenas às “Boas Novas”, às vitórias, às recuperações, às alegrias. Talvez se todos nós deixássemos de dar ouvidos aos adoradores do Pessimismo, eles se calassem, desaparecessem no meio da multidão, e acabassem por dar com a cabeça nas suas próprias pedras.


Sem comentários: