A quem esta mensagem possa ter encontrado, começo por apresentar-me. Sou um Náufrago. Ou seja, sou alguém que veio parar numa ilha desconhecida do resto do mundo, isolada na imensidão de um oceano qualquer, e da qual as hipóteses de um dia partir ou ser resgatado são muito remotas. Cheguei a esta ilha por mero acaso do destino. Na verdade já nasci náufrago, filho de náufragos que por sua vez também já nasceram naquela condição. Posso dizer que pertenço a uma longa linhagem de Náufragos, que ao longo de séculos passaram de ilha em ilha, na esperança de algum dia voltar à casa.
Foi neste ambiente familiar que cresci. Apesar de Náufrago nativo, não deixei de ser um náufrago, confirmando assim o estatuto da minha linhagem secular. Como era de se esperar, não me sentia como parte daquela ilha, mas como alguém que veio de outro lado e que não era capaz de se integrar, por mais esforço que despendesse. Ao longo dos 29 anos em que estive naquela ilha, vivi sempre com a sensação de que algo melhor me esperava algures. Se me pedissem uma lista dos sítios onde certamente a minha vida seria melhor do que naquela ilha onde eu havia nascido, rapidamente conseguia fornecer uma dezena de opções.
Finalmente um dia, tomei a decisão de avançar para a grande aventura da minha vida: regressar a casa. E para mim, graças a influência recebida dos meus progenitores, a “casa” era aquela pequena ilha, de onde os meus pais náufragos haviam partido 40 anos atrás. Ops! Naufraguei outra vez. É desta ilha que vos escrevo estas mensagens.



terça-feira, 8 de julho de 2008

A estrela nossa de cada dia

Aqui na ilha vivemos uma grave crise. Não falo de uma crise económica, apesar desta também existir, mas com a qual sobrevivemos com mais ou menos cocos e raízes, conforme a altura do ano. A crise a qual me refiro é uma crise de carácter, de ética, de honestidade e de cidadania.
É óbvio que era de se esperar que algo assim acontecesse, num sítio em que não existem instituições que assegurem a manutenção da ordem social (ou se existem ninguém deu por elas), leis e regras que definam o comportamento desses náufragos (mesmo que as tivéssemos ninguém ligaria nenhuma) ou mesmo um Estado capaz de organizar estes pobres coitados que vieram dar a estes lados.
É óbvio, mas não é justificável. O comportamento das sociedades modernas já não é determinado pelas instituições e leis que se possam criar hoje em dia, mas sim por séculos de convívio em sociedade, onde foram estabelecidos os padrões de comportamento que deveriam guiar-nos no dia-a-dia. Estejamos nós no país mais desenvolvido ou numa ilha isolada sem qualquer vestígio de intervenção humana, deveríamos seguir os mesmos princípios de conduta.
Se perdermos estes princípios, não haverá Instituição, Lei ou Estado que consiga restabelecer a nossa humanidade. É por isso que temos de nos esforçar todos os dias, para aplicarmos estes princípios em todas as nossas acções, mesmo as mais insignificantes. Ainda que todos que nos rodeiam não o façam. Parecerá um esforço em vão, mas isso lembra-me aquela passagem na qual um homem prestes a perdera a fé na Humanidade, caminha pela praia e encontra um menino a atirar de volta ao oceano, uma a uma, milhares de estrelas do mar que vieram parar a praia após uma tempestade. Diante desta imagem, o homem pergunta ao menino que diferença fazia ele estar a devolver aquelas estrelas ao mar para salva-las, se eram aos milhares e ele era apenas um menino. O menino pegou em mais uma estrela, mostrou-a ao homem e disse-lhe: - Para esta faz toda a diferença. E de seguida atirou-a ao mar.

1 comentário:

Zana disse...

Infelizmente, hoje em dia o individualismo está acima de tudo. Maior parte das pessoas só quer saber do umbigo delas e os outros todos (os que governam e os que são governados) que se amanhem. E isto vê-se em tudo.
Felizmente ainda vão havendo uns que preferem atirar as estrelas de volta ao mar, em vez de achar que não vale a pena o esforço porque isso em nada contribui para a felicidade dos seus umbigos ;)