A quem esta mensagem possa ter encontrado, começo por apresentar-me. Sou um Náufrago. Ou seja, sou alguém que veio parar numa ilha desconhecida do resto do mundo, isolada na imensidão de um oceano qualquer, e da qual as hipóteses de um dia partir ou ser resgatado são muito remotas. Cheguei a esta ilha por mero acaso do destino. Na verdade já nasci náufrago, filho de náufragos que por sua vez também já nasceram naquela condição. Posso dizer que pertenço a uma longa linhagem de Náufragos, que ao longo de séculos passaram de ilha em ilha, na esperança de algum dia voltar à casa.
Foi neste ambiente familiar que cresci. Apesar de Náufrago nativo, não deixei de ser um náufrago, confirmando assim o estatuto da minha linhagem secular. Como era de se esperar, não me sentia como parte daquela ilha, mas como alguém que veio de outro lado e que não era capaz de se integrar, por mais esforço que despendesse. Ao longo dos 29 anos em que estive naquela ilha, vivi sempre com a sensação de que algo melhor me esperava algures. Se me pedissem uma lista dos sítios onde certamente a minha vida seria melhor do que naquela ilha onde eu havia nascido, rapidamente conseguia fornecer uma dezena de opções.
Finalmente um dia, tomei a decisão de avançar para a grande aventura da minha vida: regressar a casa. E para mim, graças a influência recebida dos meus progenitores, a “casa” era aquela pequena ilha, de onde os meus pais náufragos haviam partido 40 anos atrás. Ops! Naufraguei outra vez. É desta ilha que vos escrevo estas mensagens.



sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Quero ser criança

De volta a minha vida de náufrago, deparo-me com uma sensação de cansaço que vai se tornando cada vez mais intensa a medida que o tempo passa. Não me refiro ao cansaço físico, que acaba por surgir por consequência, mas a um cansaço do espírito, como se carregasse o mundo às costas sem ter onde o pousar.

Aqui nesta ilha, aliás como em qualquer lado, os náufragos estão constantemente a debitar sobre os outros as suas opiniões, as suas ideias, verdades absolutas que apresentam com grande propriedade e total certeza. Diante de qualquer acção ou decisão que eu tome, tenho sempre pareceres, previsões e conclusões oferecidas gratuitamente pelos outros, sem que eu nada peça ou pergunte. Eu próprio, como num episódio de dupla ou tripla personalidade, vejo-me a julgar, atacar e desacreditar as minhas próprias ideias e decisões, bloqueando qualquer reacção inovadora que possa tentar aplicar aos obstáculos que a vida me apresenta.

Depois de anos a levar com as restrições impostas pelos outros e por nós mesmos, vamos nos tornando seres apáticos, previsíveis, completamente desinteressantes. Como diz alguém que conheço, "começo a sentir-me farto de mim mesmo, farto da pessoa que me tornei".

A vida deveria ser como num conto escrito por um grande humorista brasileiro, no qual os homens nasciam velhos e com todo o conhecimento e experiencia disponível na humanidade. Depois tornavam-se mais novos a medida que o tempo passava, a saber cada vez menos, a ter cada vez menos restrições e limites às suas ideias e acções, até o dia em que morriam como pequenos bebés, completamente ignorantes e ingénuos.

Era assim que eu gostaria que a minha vida fosse daqui para frente. Com menos certezas, menos pré-conceitos, menos expectativas. Voltar a fazer tudo como se fosse a primeira vez. Viver cada momento como se não houvesse amanhã. E um dia, quando alguém me encontrasse nesta ilha, um bebé a dormir confortavelmente enroscado por baixo de um céu estrelado, olharia em silêncio e pensaria: Dorme em paz bebé, por toda a eternidade…